sábado, 15 de abril de 2017

Paixão de Cristo

O velho mundo em 7 dias e o mundo novo em 7 palavras:
Conforme determina a piedade cristã, a Sexta-feira Santa ficou marcada pelo encerramento da Vigília de Adoração ao Senhor Jesus. Na celebração da última Via Sacra, o silêncio inaugurou períodos de meditação entre os quais ouvia-se apenas os passos cautelosos da peregrinação e os pássaros anunciadores da alvorada.

Uma das principais riquezas litúrgicas da Semana Santa, o Ofício de Trevas contextualizou o Sacrifício Redentor de Cristo através de Salmos e Leituras que expressam o caráter fundamental desse dia na agenda do Catolicismo. Importante ressaltar que Nazareno é uma das poucas cidades que ainda perpetuam essa prática religiosa tão simbólica e representativa.
Na Solene Ação Litúrgica, houve a veneração da cruz na qual Cristo se ofereceu como Sacrifício Perfeito para remir os pecados do mundo. Para além das possibilidades de expressão da linguagem, só o silêncio dos filhos do Senhor foi capaz de adorar verdadeiramente a prova de amor derramada na cruz em forma de corpo e em textura de sangue. Ao narrar o Evangelho da Paixão de Cristo, é preciso ter em mente que não se trata de um teatro que simplesmente representa o sofrimento de Jesus. Na verdade, a Paixão da Morte de Cruz transcende o sentimentalismo banal presente no convívio de tantos relacionamentos e grupos sociais. A Paixão aqui registrada diz respeito ao Ágape Divino, isto é, ao amor incondicional que sobrevive aos limites impostos entre a vida e a morte. Em um mundo cada vez mais propenso a tornar pessoas objetos descartáveis, apaixonar-se para Jesus é reconhecer-se no outro a ponto de doar sua própria existência como ato de misericórdia.
Deus criou o mundo em seis dias e no sétimo descansou. Jesus, por sua vez, restaurou o mundo criado pelo Pai em seis palavras e na sétima suspirou. Para muitos espectadores daquele momento de dor, aquele havia sido o último suspiro. Mal sabiam eles que Jesus aspirava todos os pecados e somente aqueles de muita fé contemplaram um sopro de vida no que parecia ser um fôlego de morte. Como se sabe, a cerimônia de descendimento da Cruz é uma restituição do contexto em que Cristo foi apregoado no madeiro e flagelado pelo chicote dos soldados e pelo coração descrente do povo que o condenou. No entanto, muito mais do que uma simples recordação da Paixão e Morte de Jesus Cristo, todos os fiéis presentes representam, cada qual a seu modo, uma parcela do povo que apoiou a libertação de Barrabás e outra parte que lamentou verdadeiramente o sacrifício empenhado por Cristo para redimir a humanidade.
Ao propor essa reflexão com tamanha eloquência, Irmão Domingos enfatiza que somos responsáveis pela crucificação diária de Cristo em todas as vezes que negamos ao próximo o amor que levou Jesus a morrer por nós. Por assim dizer, o sacerdote comentou sobre as circunstâncias da vida de Jesus que cada cristão também vivencia sem a mesma postura de acolhida, sabedoria e humildade. As mulheres apedrejadas por meio de palavras ultrajantes, os enfermos abandonados no leito, as crianças esquecidas nas ruas e os idosos desprezados pela família: tantas cruzes depositadas no ombro dos que mais precisam de um colo. Todos eles muito mais identificados com Cristo do que qualquer frequentador assíduo da Igreja. No fundo, o cristão deve escolher entre personificar o exemplo de Jesus ou de seus algozes. Ao final, se a escolha for o caminho celeste, Nossa Senhora aguarda os bem-aventurados com seu colo e carinho maternal, assim como sustentou o corpo de Seu Filho castigado pelos cravos e pela coroa de espinhos.
Segundo as palavras incendiadas pelo fogo espiritual da voz de Irmão Domingos, “o letreiro da maledicência” assume a figura dos católicos e religiosos que tão somente velam à distância o corpo de Cristo e não incorporam as atitudes de Fé demonstradas pelo Cireneu e por José de Arimatéia. Em sentido metafórico, honrar o corpo de Jesus significa levantar do chão o irmão caído nas agruras da vida.
Após o sermão em memória e glorificação de Cristo Crucificado, o povo de Deus seguiu em cortejo de profundo silêncio pelas ruas da cidade. As orações proclamadas durante a procissão e a sinfonia melancólica perfeitamente orquestrada pela Banda Municipal Nossa Senhora de Nazareth ambientaram o clima de dor e esperança que marcou o percurso do Cordeiro Imolado até o sepulcro. Por fim, a noite declinou como se não fosse mais possível amanhecer. Mesmo assim, o coração contrito de cada filho de Deus voltou para casa na esperança da Ressurreição e batendo no ritmo das horas que anunciam o Tempo de Páscoa do Senhor.
Matéria- Guilherme Freitas
Fotos- Helder Ramos, Hugo Geovani, Luan Braz

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